Na Venezuela da "revolução bolivariana", qualquer menção a um projeto neoliberal pode custar votos ao candidato que pretenda ocupar a cadeira presidencial. Após anos de combate ideológico contra a administração chavista, parte da coalizão de oposição entendeu que não deve estar, ao menos na retórica, à direita de Hugo Chávez.
Henrique Capriles, o mais duro rival que Chávez já enfrentou em seus quase 14 anos de governo, aposta em convencer a população que seu passado conservador ficou para trás. Sua principal estratégia está na promessa de dar continuidade às políticas sociais de Chávez, antes combatidas pela oposição, e realizar uma "gestão eficiente". missões (programas sociais) são de vocês, são do povo. Os programas sociais não pertencem a quem esteja governando", disse Capriles em comício no Estado de Bolívar, no sul do país.
Já Chávez acusa seu rival de ocultar a pretensão de aplicar um programa de ajuste macroeconômico apelidado de "pacotão neoliberal" que, diz o presidente, poderia levar a Venezuela a uma "guerra civil".
"É assombroso o cinismo dos opositores dizendo que o paquetazo (pacotão) é falso", disse Chávez em comício no Estado de Miranda. "Agora prometem manter as missões. É um desespero total."
O líder venezuelano chegou a ordenar a elaboração de um panfleto chamado "Pacotão Neoliberal Made USA" - em que aparece o programa de governo da coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD) - para distribui-lo em seus comícios.
No panfleto detalha-se, entre outros pontos, que o programa opositor prevê a redução da participação do Estado na economia, a devolução de terras destinadas à reforma agrária aos antigos proprietários e a eliminação do Fundo de Reservas Especial (Fonden), visto como o pote de ouro que sustenta os programas sociais.
Capriles assinou um documento firmado por todos os pré-candidatos opositores à Presidência que incluía a proposta, mas tem se distanciado da ideia.
'Terreno de Chávez'
Especialistas consultados pela BBC Brasil afirmam que o jogo político na Venezuela atual é disputado "no terreno de Chávez".
"Um candidato que se proclame de direita, liberal, nunca terá êxito na Venezuela", afirma Oscar Schemel, diretor do instituto de pesquisa Hinterlaces. "Mesmo não sendo chavista, a maioria da população respalda o modelo de inclusão social."
Capriles, o jovem governador que desafia Chávez, se autodefine como progressista. Sua origem, no entanto, está ligada aos partidos de centro-direita Copei e Primeiro Justiça, do qual foi um dos fundadores.
A coalizão opositora que dá suporte à candidatura de Capriles inclui uma gama heterogênea de políticos da ala ultraconservadora, da social-democrata e da social-cristã. Conta também com o apoio de megaempresários do ramo da alimentação e do mercado financeiro.
O desafio de Capriles, de acordo com Schemel, é convencer a população que, em um eventual governo, não eliminará os benefícios da era Chávez. "Os venezuelanos não querem mudanças, e sim que o modelo de inclusão funcione", avalia Schemel.
Em reunião fechada com seus clientes, a consultoria Datanalisis afirmou que a estratégia do governo de propagandear o "pacotão neoliberal" contra seu adversário funcionou para "fortalecer" os votos da base aliada chavista das classes D e E, grupo que Capriles pretende conquistar.
O coordenador nacional da campanha opositora, Leopoldo López, disse à BBC Brasil que as acusações são parte do "desespero" governista.
PDVSA social
López também distancia Capriles do programa de governo da MUD. "A proposta de Henrique é a que ele defende nos comícios", disse o coordenador da campanha.
Mas ele confirma que as atividades do Estado nos setores considerados estratégicos, como saúde e educação, devem ser revistas e propõe a participação privada nessas áreas.
Sobre a atuação da estatal petroleira PDVSA, coração da disputa pelo poder na Venezuela, López afirma que a empresa deverá abandonar seu braço social para dedicar-se fundamentalmente à extração petroleira.
"A PDVSA faz casas, dá alimentos, tem uma quantidade de atribuições que não lhe correspondem. A PDVSA tem que dedicar-se a uma só coisa, que é ser uma empresa forte nos hidrocarbonetos", afirmou López, um dos homens fortes da campanha de Capriles.
Esse "braço social" da PDVSA é uma das bandeiras defendidas pelo governo para apontar uma distribuição da renda do petróleo.
Na era Chávez, a pobreza na Venezuela caiu mais de 20%, de acordo com a Cepal, e o país passou a registrar a menor desigualdade entre ricos e pobres na América Latina, de acordo com relatório da ONU, com 0,41 no índice de Gini.
Em 1999, quando Chávez assumiu o poder, o índice era de 0,46 (o Brasil tem índice 0,56; quanto mais próximo a um, maior é a concentração de renda per capita).
Para críticos, porém, essa distribuição de renda veio acompanhada do enfraquecimento das instituições venezuelanas.
Modelos Lula e FHC
Emular o "modelo Lula" foi outra estratégia utilizada por Capriles para atrair o voto de setores populares. Isso mudou quando o ex-presidente enviou uma mensagem de apoio à Chávez.
Desde então, Capriles passou a reivindicar o "modelo brasileiro" originado na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Católico fervoroso, Capriles diz que derrotará a Chávez "assim como Davi derrotou a Golias".
Em pesquisas de intenção de voto realizadas por sete diferentes institutos, Chávez aparece à frente para as eleições de domingo. Se for reeleito, o presidente venezuelano terá caminho aberto para completar 20 anos no poder. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.